Chamaste-me e eu vim. Voltei a casa. Ao local onde guardei
para sempre os meus tesouros. A salvo do mundo lá fora. Da erosão dos dias. Do
cansaço das rotinas. Sabe-me a casa de férias. Aquele espaço pelo qual
suspiramos todo o ano. Ou toda a vida. E
do qual só guardamos boas memórias. Onde o tempo parece parar. Aqui os dias são
mais longos. Faz sempre sol (mesmo em dias de chuva). As noites são quentes e
no céu há sempre estrelas cadentes. Sabemos que a cada regresso tudo estará no
devido lugar onde o deixámos. Quer tenhamos partido há um mês ou há seis anos.
Ao reabrir a porta reconhecemos os perfumes gravados na memória olfactiva.
Espalhados pela casa encontramos os nossos livros preferidos. Aqueles que nos
servem de guia mas que já não consultamos há demasiado tempo. No gira discos
está ainda o nosso álbum favorito. Mesmo a pedir mais uma voltinha, como quem
promete uma viagem para outro universo. Nas prateleiras há uma colecção dos
filmes que insistem em roubar-nos lágrimas. E aos quais nunca conseguimos
resistir rever. Na esperança talvez de um final diferente. Ou apenas para nos
permitirmos sonhar mais uma vez que temos aquela coragem de arriscar. Como os
nossos heróis. Na gaveta encontramos os álbuns de fotografias. Imagens que a
nossa memória insiste em reproduzir a cores mais vividas. Como se tivessem sido
tiradas ontem. Sempre gostei deste termo. Tirar fotografias. Como se a película
nos roubasse aquele instante. Ou o tirasse
desta dimensão para o guardar noutro mundo. Onde nada se perde. Como os
planos que traçamos naqueles mapas guardados no móvel da entrada. E que ali
ficaram à espera de uma próxima visita. De um regresso para novas aventuras. Na
mesa de cabeceira encontro o meu velho caderno de notas com rascunhos do que
ficou por dizer. Mesmo ao lado está um bloco de capa preta, rabiscado por
crianças, e cujas páginas guardam ainda o sal da praia no Inverno. Sim, porque
nesta casa não é sempre Verão, apesar de se encontrarem vestígios de areia
entre os lençóis. E um pequeno búzio pousado na almofada. Como quem procura
escutar as palavras que há tanto tempo se calaram. Sento-me no chão e vou
abrindo os baús de recordações. Caixas de sorrisos à espera de serem
(re)desenhados. Vou sacudindo as poeiras. Com uma sensação de paz quase
desconhecida. Ou há muito esquecida. Como quem tem aqui tudo aquilo que
precisa. Como quem finalmente se encontra.
Estou em casa.
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