#1 do outro lado




Nunca soube nomear a sensação. Um desconforto ou inquietação. Uma insatisfação com tudo. A necessidade constante de estar além. A pressão de fazer a escolha certa, sem nunca chegar a parar. O tal movimento incessante. O sufoco quando o ruído de fundo se desvanece. Quando o interior começa a falar mais alto. Sempre a mesma urgência de desligar a emoção. Alimentar sempre a razão. Garantir o sucesso em cada função. Para nunca falhar. Para nunca desiludir. O foco sempre no outro. No dar. No proteger. No cuidar. De todos e mais alguns. Qualquer outro é sempre mais importante. Até àquele dia. Num instante muda tudo. Ou quase. Aprendes o que é isso afinal de sobreviver. Tantos anos até perceber que tem sido esse o teu modo de vida. Sempre no limite de qualquer coisa. Sempre à beira de cair. Mas a sobreviver sempre no último segundo. Como se houvesse sempre alguém a perguntar e agora, já chegou a tua vez? E cada tropeção gravado no corpo. Sem que nunca tivesses olhado para as feridas. Não as pequenas cicatrizes que te alimentam memórias bonitas. Daquelas que todos gostam de ouvir. Mas e as feridas? Quantas feridas foram precisas até que te rendesses à dor? Até que aceitasses ser cuidado e passar para o outro lado

(...)

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